sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Estudante de medicina de 20 anos tira a própria vida

 

Reprodução/Instagram @mayra_boscari

Segundo relatos da irmã, Mayra Boscari ficou três dias sem dormir estudando para as provas e teve crises de pânico

No último dia 5 de outubro, a estudante de medicina Mayra Boscari, de apenas 20 anos, foi encontrada praticamente morta após tomar diversos remédios. Mesmo a irmã levando para o hospital, não foi possível salvá-la. A família acusa os professores tortura psicológica, a faculdade afirma que aluna estava sendo acompanhada.

Nas redes sociais, Mayara Boscari, irmã gêmea que fazia faculdade junto com Mayra, e mais outros colegas de turma denunciaram a maneira como alguns professores se relacionavam com estudantes. De acordo com todos eles, a “humilhação, a opressão, o medo, o desacato, o rebaixamento moral e a vergonha” eram o ‘modus operandi’ dos docentes.

Em entrevista exclusiva ao site da TV Cultura, Mayara deu mais detalhes de como os professores tratavam os alunos e como ela e a irmã sofreram psicologicamente.



O curso

Mayra e Mayara sempre tiveram o sonho de cursar medicina juntas. Desde novas, compartilharam os mesmos ambientes e faziam questão de estarem próximas uma da outra. Isso fez com que passassem juntas no vestibular.

“Tudo que a gente fazia, fazíamos juntas. Desde de ir para a faculdade até conversar sobre diversos assuntos. Sempre foi assim. A gente se dava bem”, explicou Mayara.

O início do curso foi muito bom. Mayra se tornou a representante da turma e criou uma liga acadêmica para unir os colegas. Além disso, entrou para a equipe feminina de basquete da faculdade.

Entretanto, a partir do segundo ano do curso, quando as aulas voltaram a ser presenciais, ambas notaram um comportamento diferente dos professores e a maneira como conduziam as matérias.

“A gente não imaginava que o sonho ia se tornar pesadelo. O tratamento era totalmente diferente do que a gente esperava. Os professores competiam quem deixava mais alunos de exame. Mas nós sempre tirávamos boas notas. Mas mesmo assim, percebemos que a gente sofria uma tortura psicológica”, relatou.

Efeitos colaterais

A partir do momento que a turma percebeu o que estava acontecendo, a primeira atitude foi ir à coordenação para reclamar dessa postura. Mas os professores não deixavam que isso acontecesse. Segundo Mayara, sempre que algum aluno ia à direção, a tortura se tornava pior.

“Eu cheguei a cursar um ano em outra faculdade de medicina. Eu nunca tinha visto aluno se matar por conta disso. Eu nunca tinha ficado 72 horas acordada estudando. A gente ia fazer prova achando que ia desmaiar. Eu emagreci sete quilos”, contou.

“O terceiro período foi muito difícil. Todo dia, eu mandava foto para meu namorado chorando. Falava que não queria mais viver. Quando os professores falavam, a gente vomitava de nervoso. Era 4h da manhã, eu estudava tremendo e chorando. Nós não estávamos mais aguentando. Não era normal”, completou.

Em um certo momento, Mayara se questionou se o problema era ela e estava exagerando em relação ao comportamento dos professores. Mas, ao consultar colegas e saber que todos passavam pela mesma situação, não teve mais dúvidas que a forma como os docentes ensinavam estava totalmente errada.

Denúncias à coordenação

Com problemas físicos e mentais, as irmãs procuraram a coordenação para buscar uma solução para esse problema. Mesmo com as ameaças dos professores, elas buscaram algum superior. Mas, segundo Mayara, foram completamente ignoradas.

“Contei o que estava acontecendo e disse que não era normal. Deixei bem claro para o coordenador do curso. Ele disse que ia nos ajudar, mas na prática nada aconteceu. Os professores não foram afastados. E um professor em específico sempre recebia reclamação. Mas nada aconteceu”, denunciou.

Para reforçar a reclamação, os pais e a tia das meninas também fizeram reclamações formais para a coordenação. Os parentes perceberam o estado de saúde das estudantes e pediram o afastamento dos docentes e auxílio psicológico.

Posicionamento da faculdade

Em conversa com o site da TV Cultura, Afonso Cavalheiro, Pró Reitor Acadêmico da FAG, relatou que a faculdade conta com clínicas de atendimento psicológico da universidade. Ele reforçou que as clínicas de atendimento são um centro de referência, que inclusive atende o SUS (Sistema Único de Saúde). Além disso, a FAG também conta com um grupo de oração no campus que realiza ações voltadas para a saúde mental dos estudantes, como reuniões semanais.

A instituição relatou que as discussões sobre como as escolas de medicina vem percebendo que há uma onda de doenças entre seus estudantes estão sendo feitas, envolvendo centro acadêmico, professores e até os próprios doscentes. Inclusive, a Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM) convocou uma conversa com diversas universidades, públicas e privadas, e representantes acadêmicos para discutir a saúde mental destes estudantes de medicina.

Em nota, a faculdade comunicou que todas as aulas do curso de medicina, do 1° ao 8º período, foram suspensas até o dia 17 de outubro.

Confira a nota na íntegra: 

O Centro Universitário FAG externa todo o seu sentimento neste momento de dor e luto pelo qual estamos passando. Todos os colaboradores da equipe técnico-administrativa e docentes da Instituição estão abalados e compartilham enorme vulnerabilidade.

Expressamos o mais profundo respeito aos familiares, amigos, colegas e a toda comunidade acadêmica. Para preservar a privacidade dos envolvidos, a FAG reserva-se ao direito de não usar das mídias sociais para externar esse sentimento.

O diálogo é permanente, próximo e aberto a todos os pais e acadêmicos.

Próximos passos

A família já está recolhendo todas as evidências para entrar com um processo contra os professores. Na perspectiva de Mayara, o fato da irmã nunca ter apresentado problemas de saúde mental mostra como a faculdade mexeu com o psicológico dela.

Mesmo após todos os acontecimentos, Mayara pretende se formar nessa faculdade para dar uma mensagem de esperança para outros alunos.

“Falo para outros alunos não ficarem mais quietos. Não baixarem a cabeça. Sempre que acontecer algo grave, saírem da sala. Para que a Ma seja a última e todos terem esperança”, finalizou.

Serviços de ajuda 

Atualmente, há inúmeros centros de apoio e grupos de ajuda para pessoas com problemas emocional e prevenção. Um dos mais importantes no Brasil é o Centro de Valorização da Vida (CVV), que faz atendimento voluntário e de forma gratuita.

Jornalismo TV Cultura 

Nenhum comentário:

Postar um comentário